Existem lugares capazes de despertar em ná│s certo tipo de consciá¬ncia transcendental e uma (re)descoberta de conexáúo com o mundo. Nesse cantinho do mundo, onde natureza, literatura, filosofia e espiritualidade convergem, refletimos sobre o sentido da vida e os rumos que damos a ela. O encontro com a natureza tem o poder de nos fazer parar. Ou melhor, querer parar. Falando sobre o mar, a poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen sintetiza maravilhosamente bem este encontro:

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sá│s
E táúo fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos háí em que eu suponho
Seres um milagre criado sá│ para mim.

Ainda que náúo se trate do mar, vale se apropriar do sentido do poema para transferi-lo ao efeito das áíguas em ná│s, sejam elas do mar ou de um lago. áë assim a experiá¬ncia proporcionada pelo belá¡ssimo Lago Maggiore, um dos maiores lagos da Itáília (divide Piemonte e Lombardia da Suá¡áºa), onde se encontra esta grande atraáºáúo turá¡stica: o Mosteiro de Santa Caterina del Sasso, localizado na prová¡ncia de Varese, na Lombardia.

Dessas mesmas áíguas parece emergir o mosteiro: uma construáºáúo em pedra enraizada numa parede rochosa sobre o lago, o Mosteiro de Santa Caterina del Sasso á® um complexo com trá¬s edifá¡cios que se complementam e dáúo o toque máígico ao lugar.

Vista do mosteiro Santa Caterina del Sasso sobre o Lago Maggiore. Foto: Stefan Ember / 123RF

A histá│ria do Mosteiro de Santa Caterina del Sasso

A lenda em torno do mosteiro remonta ao sá®culo XII, quando Alberto Besozzi, um rico e áívido comerciante de origem milanesa, foi surpreendido por uma forte tempestade quando atravessava de barco o Lago Maggiore, voltando do mercado de Angera. Sentindo prá│xima a morte, pediu a intercessáúo de Santa Caterina dÔÇÖAlessandria, de quem era devoto. Quis a vontade da santa que Alberto sobrevivesse ao naufráígio, o que o levou áá promessa de passar a vida em solidáúo e oraáºáúo. O homem, insensá¡vel e estoico, se tornaria um eremita e beato, compensando a fama de comerciante adepto áá práítica de usura e comá®rcio ilá¡cito ÔÇô teria atá® prometido a alma ao diabo em troca de riqueza e tesouros ÔÇô, e seria responsáível pela construáºáúo da capela em homenagem áá santa como forma de agradecimento, em 1195.

Em 1330, depois de uma primeira colá┤nia de eremitismo (em italiano, eremo significa eremitá®rio, ou seja, lugar ou casa em que vivem os eremitas), a ordem dos Agostinianos construiu um pequeno convento e um oratá│rio e, nos sá®culos que se seguiram, o complexo foi ampliado progressivamente, pertencendo a diversas ordens. Atualmente, pertence aos Oblatos Beneditinos.

Em 1604, talvez por inconformidade do diabo, outro fato inacreditáível: por conta de um pequeno terremoto, cinco rochas enormes se desprenderam da parede rochosa e danificaram o teto da capela onde estava o corpo de Besozzi, que venceu pela segunda vez o diabo, pois a sua tumba náúo foi destruá¡da.

Corpo de um eremita Alberto Besozzi na igreja de Santa Catarina del Sasso no Lago Maggiore. Foto: Fotoember/ Bigstock

Como chegar ao Mosteiro

Para conhecer este fascinante local histá│rico banhado pelas áíguas do lago, háí duas possibilidades. De carro (estáí a 80 km de Miláúo, 43 de Lugano e 145 de Turim) ou de barco, saindo da estaáºáúo Laveno Mamebello, que atraca num pequeno porto do mosteiro. Para quem vai de carro, o acesso á® a partir das Cascine del Quicchio, e uma grande praáºa acima do mosteiro, onde á® permitido estacionar segundo as indicaáºáÁes. Aproveite para conhecer as cascine (quintas ou casas de campo), um complexo arquitetá┤nico que representa a arquitetura rural e conta um pouco do modo de viver dos antigos moradores. Prá│ximo áás quintas, háí um parquinho para as crianáºas e uma trilha de trekking que leva a uma magnifica vista do lago e um bar-restaurante para abastecer as energias antes ou depois da descida ao eremitá®rio; 268 degraus de uma descida muito agradáível que conduzem o turista áá entrada do mosteiro, passando pelo lindo panorama do Lago Maggiore, em meio áá vegetaáºáúo verdejante que cresce ao lado da parede rochosa. Háí tambá®m a opáºáúo de pegar o elevador escavado na rocha para superar os 51 metros de desná¡vel entre a praáºa e a entrada.

Chegada de barco ao mosteiro. Natureza e mosteiro se fundem nesse cenáírio paradisá¡aco. Foto: ðÉð╗ðÁð║Ðüð░ð¢ð┤ÐÇ ðæðÁðÀð╝ð¥ð╗ð©Ðéð▓ðÁð¢ð¢Ðïð╣/ 123RF

O acesso pelo lago á®, sem dá║vida, o mais atraente. Assim que se aproxima do mosteiro, á® possá¡vel ver os trá¬s edifá¡cios que o compáÁem fixados na rocha e embelezados pela natureza circundante. Ao descer, passa-se um pequeno pá│rtico e, em seguida, uma escada de 80 degraus vai se articulando por entre a vegetaáºáúo ÔÇô no fim, uma bifurcaáºáúo conduz ao elevador áá direita e, áá esquerda, áá entrada do santuáírio.

A escada em meio áá vegetaáºáúo nos leva a uma comunháúo com a natureza, banhada pelas áíguas azuis do Lago Maggiore. Foto: Alessandro Lai / 123RF

Convento Meridional

Conforme jáí dito anteriormente, o mosteiro á® formado por trá¬s partes: o Convento Meridional, Conventino e Igreja. Passada a entrada, áá direita, estáí a porta para o Convento Meridional, construá¡do no sá®culo XIV e cujo pá│rtico de 7 arcos se estende em dois planos. Háí um áítrio que leva ao seu ná║cleo mais antigo, a Sala Capitolare, onde o olhar á® imediatamente atraá¡do pelos afrescos do sá®culo XV, antes escondidos por váírias camadas de cal e restaurados em 2003 pela prová¡ncia de Varese.

Colunata do Convento Meridionale - Santa Caterina del Sasso, Lago Maggiore.
Colunata do Convento Meridionale. O corredor com vista para o Lago Maggiore apresenta as Ilhas Borromeu, um grupo de trá¬s pequenas ilhas e dois ilhá®us. Aproveite este momento com calma para sentir o encontro máígico entre a natureza e construáºáúo humana. Foto: Alessandro Mascheroni / 123RF

Conventino

O terraáºo do Convento Meridional leva ao Conventino com seus arcos de estilo gá│tico, estrutura datada do sá®culo XIII que funcionava como ambiente de serviáºos para o convento (cozinha, refeitá│rio, dormitá│rios).

Na Sala Capitolare, afrescos do sá®culo XV revelam a riqueza de detalhes da histá│ria do mosteiro. Foto: Elesi / 123RF

A beleza do lugar á® tanta, que serviu de cenáírio para o filme La stanza del vescovo, de Dino Rossi, em 1977 e, em 1989, para a sá®rie televisiva I promessi sposi (romance de Alessandro Manzoni), de Salvatore Nocita.

Santa Caterina del Sasso, Lago Maggiore
Da Igreja de Santa Caterina del Sasso, á® possá¡vel ver a fachada externa do Conventino, de onde se tem uma vista de tirar o fá┤lego do Lago Maggiore. Foto: Alessandro Mascheroni / 123RF
No pequeno e charmoso jardim do Convetino, háí uma monumental espremedeira de madeira náúo mais utilizada. Foto: Alessandro Lai / 123RF

A Igreja de Santa Caterina

Depois do Conventino, finalmente chegamos ao coraáºáúo do eremo, a igreja de Santa Caterina, cuja entrada á® decorada por arcos de estilo renascentista. Embaixo do pá│rtico, afrescos inesquecá¡veis sáúo protegidos por algumas paredes de vidro. Ao fundo da igreja, encontra-se a antiga capela em homenagem áá santa e o lugar onde jaz o corpo do beato Besozzi, iluminado pelos raios de sol que passam pelo buraco deixado no teto.

Os pá│rticos da Igreja de Santa Caterina. Ao lado, o campanáírio do sá®culo XIV. Foto: Stevanzz / 123RF

Na segunda metade do sá®culo XIV, a igreja foi reestruturada e as capelas prá®-existentes foram fundidas em um á║nico edifá¡cio. Vale a pena aproveitar a visita guiada disponá¡vel, jáí que a disposiáºáúo da igreja á® um pouco irregular pela prá│pria topografia e pelas estruturas que foram sendo construá¡das ao longo dos anos. Sáúo muitas particularidades, detalhes importantes e interessantes que náúo podem ser deixados de lado para uma melhor compreensáúo dessa histá│ria táúo rica.

Mosteiro de Santa Caterina del Sasso - Lago Maggiore.
Mosteiro de Santa Caterina del Sasso – Lago Maggiore. Foto: Gianni Careddu / Commons wikimedia.

Um lugar capaz de tocar no mais profundo dos nossos segredos e transfigurar a nossa experiá¬ncia em algo que, de táúo genuinamente humano, parece divino. O encontro das áíguas com a arte tem mesmo o poder de conectar o nosso tempo ao Tempo.

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Foto de capa: ðÉð╗ðÁð║Ðüð░ð¢ð┤ÐÇ ðæðÁðÀð╝ð¥ð╗ð©Ðéð▓ðÁð¢ð¢Ðïð╣ / 123RF