Para os Italianos, Natal significa presá®pio!

Háí duas coisas que, no perá¡odo natalino, náúo podem faltar em qualquer casa da Itáília: a áírvore e o presá®pio. Abrigar em seu prá│prio lar a representaáºáúo da Natividade doa áás famá¡lias italianas alegria e orgulho, desperta entusiasmo e acalenta os coraáºáÁes.

Háí quem faáºa presá®pios singelos, com apenas algumas estatuetas postas em cenáírios muito simples, e háí quem dᬠvazáúo ao seu talento artá¡stico e constrá│i representaáºáÁes repletas de personagens, ricas em detalhes e com atá® efeitos especiais. Em todo caso, a preparaáºáúo do presá®pio á® vivida como um verdadeiro momento de festa, que reá║ne todo mundo e conta com a colaboraáºáúo de grandes e pequenos!

De onde vem essa bela tradiáºáúo de montar o presá®pio?

A narraáºáúo oficial atribui a invenáºáúo do presá®pio a Sáúo Francisco de Assis, o qual pela primeira vez na histá│ria encenou a Natividade de Jesus. No texto a seguir vocᬠdescobriráí que se trata de uma interpretaáºáúo correta, mas incompleta, pois a histá│ria do presá®pio tem origens muito mais remotas.

Faremos uma viagem fascinante áá descoberta de uma tradiáºáúo milenar onde crá┤nica e mito, fatos e lendas se misturam, dando vida a um legado histá│rico, cultural e espiritual que marca profundamente a tradiáºáúo popular italiana. 

Presá®pio caseiro
Presá®pio caseiro. Foto: Angelafoto de Getty Images Signature / Canva

As estáítuas das divindades de proteáºáúo do lar domá®stico

A representaáºáúo de divindades por meio de estatuetas á® um háíbito muito antigo, praticado jáí fora do Cristianismo: por exemplo, entre os antigos Egá¡pcios e os Gregos. Os grandiosos monumentos em homenagem aos deuses expostos nos templos romanos, náúo impediam o homem comum de fazer as suas prá│prias representaáºáÁes para serem guardadas nos áítrios das casas. Essas estatuetas eram colocadas em altares dedicados aos Lares, as divindades tutelares do lar domá®stico.

Na Itáília, o culto cristáúo das estáítuas provavelmente foi trazido pelos monges orientais da ordem de Sáúo Basá¡lio, expulsos, juntamente com os artesáúos que produziam essas figuras, pelo imperador iconoclasta Leáúo III, que se opunha ao culto das imagens sagradas.

Lar romano de bronze do I sá®culo.
Lar romano de bronze do I sá®culo. Foto: Luis Garcá¡a / Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

A importáóncia da Natividade para os primeiros Cristáúos

As primeiras representaáºáÁes da Natividade remontam aos primá│rdios da era cristáú: os seguidores de Cristo costumavam esculpir ou pintar as cenas do nascimento do Mestre em seus pontos de encontro, como, por exemplo, as catacumbas. E á® justamente nas catacumbas de Santa Priscila, em Roma, que encontramos o primeiro afresco, que chegou atá® ná│s, que retrata Nossa Senhora com o menino Jesus no colo enquanto o apresenta para os Magos. Ao lado dela estáí um homem, talvez Sáúo Josá® ou o profeta Isaá¡as, enquanto uma estrela de oito pontas aparece no topo. Estamos no sá®culo II d.C.. Nos anos seguintes, atá® o sá®culo V, encontramos muitos afrescos em catacumbas que representam Natividades ou Epifanias semelhantes.

Natividade Catacumbas de Santa Priscila ÔÇô Roma.
Natividade Catacumbas de Santa Priscila ÔÇô Roma. Foto: Foto: KAI40 / Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

A Natividade: o conto dos evangelistas

Vocᬠjáí se perguntou quais foram as referá¬ncias que os artistas dos primeiros sá®culos utilizaram para representar a Natividade? De ele onde pegaram as informaáºáÁes necessáírias?

A fonte principal, sem dá║vida, foi constituá¡da pelas narraáºáÁes do nascimento de Jesus que se encontram nos dois evangelhos caná┤nicos ÔÇô ou seja, oficiais, aprovados pela Igreja ÔÇô o de Mateus (que informa sobre o nascimento de Jesus em Belá®m no tempo do rei Herodes e narra a visita dos Magos: Mt. 2, 1-12) e o de Lucas. Esse evangelista, em particular, relata o nascimento ÔÇ£sofridoÔÇØ de Jesus com a improvisaáºáúo de uma manjedoura em lugar do beráºo, a anunciaáºáúo dos anjos aos pastores e a consequente homenagem dos mesmos a Jesus (Lc. 2, 1-20). Por outro lado, os demais dois evangelistas caná┤nicos, Marcos e Joáúo, nada referem sobre o nascimento de Cristo.

Maria, máúe primorosa ou adoradora devota?

Por que, na representaáºáúo cláíssica da natividade que todos ná│s conhecemos, Maria e Josá® aparecem ajoelhados ao lado de seu filho? Afinal, náúo á® essa a posiáºáúo que os pais costumam assumir perante seu menino de ouro!

Pois bem, do sá®culo III ao XIII a grande maioria das representaáºáÁes da Natividade em baixo-relevo existentes na Itáília mostram a Virgem deitada, raramente sentada, ao lado do Menino que repousa na manjedoura. Era, essa, uma imagem tá¡pica da Igreja Oriental, que ressaltava a humanidade de Maria, retratada com uma máúe doce e carinhosa que cuida da sua joia rara. Exemplos disso sáúo:

  • o baixo-relevo do sarcá│fago de Adelphia e Valerio (do sá®culo IV d.C.) atualmente conservado nu museu Paolo Orsi de Siracusa, na Sicá¡lia, que alguns estudiosos apelidaram de primeiro presá®pio do mundo;
Baixo-relevo do sarcá│fago de Adelphia e Valerio.
Baixo-relevo do sarcá│fago de Adelphia e Valerio. Foto: Davide Mauro / Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).
  • o presá®pio esculpido em marfim, provavelmente realizado em Constantinopla por volta de 546 d.C., que faz parte dos painá®is decorativos da cáítedra episcopal de Massimiano, primeiro arcebispo de Ravenna, e que pode ser admirado na Catedral da mesma cidade;
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Detalhe do presá®pio em marfim esculpido na cáítedra episcopal de Massimiano – Ravenna. Foto: Canva
  • e o presá®pio esculpido em 1268 por Niccolá▓ Pisano no pá║lpito da Catedral de Siena.
Presá®pio esculpido em 1268 por Niccolá▓ Pisano. Foto: Canva

Somente a partir do sá®culo XIII, com a afirmaáºáúo do culto mariano, graáºas áás elaboraáºáÁes teolá│gicas de Sáúo Tomáís e Sáúo Boaventura, se acreditou que o nascimento de Jesus da Virgem náúo poderia ser representado como o de um mortal comum: desde entáúo Maria e Josá® foram representados ajoelhados, adorando seu filho-Deus. As figuras que haviam encontrado espaáºo ao lado da “Sagrada famá¡lia” desapareceram: foram retiradas as parteiras, a lactante e outros personagens que, atá® entáúo, haviam encontrado espaáºo na Natividade. De certa forma, a retrataáºáúo da Natividade perdeu um pouco de realismo em prol de seu significado teolá│gico.

Natividade de Piero della Francesca.
Natividade de Piero della Francesca. Foto: Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

Os infiltrados!

Em todas as representaáºáÁes da Natividade que se sucederam desde os primeiros sá®culos, háí duas presenáºas constantes: um boi e um burro, postos ao lado do menino Jesus. O que esses dois animais tá¬m a ver com o nascimento de Cristo? Porque ocupam a cena do evento mais importante do Cristianismo, sendo que deles náúo tem menáºáúo nem no texto do evangelista Mateus nem no de Lucas?  A presenáºa do boi e do burro á® narrada no evangelho apá│crifo ÔÇô do grego ß╝ǤǤî╬║¤ü¤à¤å╬┐¤é, ou seja, escondido: um evangelho náúo reconhecido oficialmente pela Igreja ÔÇô chamado de Pseudo-Mateus, no qual lemos:

Maria […] foi atá® o estáíbulo e colocou a crianáºa numa manjedoura, e um boi e um burrico o adoraram. Entáúo aquilo que foi dito atravá®s do profeta Isaá¡as se cumpriu: “O boi conhece seu proprietáírio e o burrico a manjedoura de seu senhor”. Estes animais, tendo-o no meio deles, o adoravam sem cessar.

Assim, aquilo que foi falado atravá®s do profeta Habacuque se cumpriu: “Tu seráís conhecido entre os dois animais”.

áë muito prováível que as primeiras comunidades cristáús tenham se inspirado nesse texto para representar o nascimento de Jesus. E pouco importa que, no parecer unáónime dos estudos,  o autor do Pseudo-Mateus, ao querer incluir o boi e o burro na Natividade, tenha se equivocado nas citaáºáÁes bá¡blicas. A referá¬ncia ao profeta Habacuque, que mais explicitamente vincula os dois animais ao momento do nascimento de Cristo á® incorreta: o autor do texto apá│crifo utilizou a versáúo grega ÔÇô chamada de ÔÇ£Bá¡blia dos SetentaÔÇØ ÔÇô do Antigo Testamento, mas a mesma continha em erro de traduáºáúo. O texto hebraico original fala de “idade, anos”, náúo de “animais” e de fato nas traduáºáÁes modernas da Bá¡blia o versá¡culo do profeta á®: “manifeste-o, faáºa-o conhecido com o passar dos anos”.

Os supostos animais de Habacuque teriam se tornado um boi e um burro graáºas áá outra citaáºáúo, a do terceiro versá¡culo do primeiro capá¡tulo do livro do profeta Isaá¡as. Nesse caso, o erro do autor do ÔÇ£pseudo-MateusÔÇØ náúo á® de traduáºáúo, mas sim de interpretaáºáúo: aquela passagem á® parte de uma descriáºáúo da ira de Deus contra o povo de Israel que reclama de náúo ser adorado da maneira correta. áë um trecho, portanto, que náúo faz parte das profecias sobre a chegada de um Salvador: a sua citaáºáúo, referida ao nascimento de Jesus, á® totalmente fora do seu contexto origináírio.

A Natividade Má¡stica de Sandro Botticelli – National Gallery de Londres. Foto: Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

Infiltrados sim, mas com dignidade!

Resta o fato, todavia, que na tradiáºáúo cristáú o boi e o burro nunca mais deixaram de ocupar o lugar que lhes foi designado ao lado de Jesus! Isso náúo deve nos surpreender, se considerarmos que o boi sempre foi um animal sagrado na áüsia Oriental e na Grá®cia, onde tambá®m era sacrificado nos altares dos templos. Ele simboliza um caráícter forte, mas submisso, justamente como deveria ser o povo dos futuros Cristáúos: fiá®is ao seu mandato atá® ao sacrifá¡cio da prá│pria vida. O burro tambá®m á® um animal importante no Oriente Má®dio e no contexto das narrativas bá¡blicas: Dioná¡sio e seus seguidores o montavam; na Grá®cia ele era sacrificado no recinto sagrado de Delfos; no Livro dos Ná║meros, que faz  parte do Antigo Testamento, ele á® conhecido como o animal que entende a Deus mais do que os homens (Ná║meros 22,22); enfim, o prá│prio Cristo entrou em Jerusalá®m montado em um asno branco (Mateus 21,2).

Detalhe da obra A entrada de Jesus em Jerusalá®m, de Duccio di Bonisegna. Foto: Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

Magos, Rei magos ou… quem sáúo esses caras?

Outros personagens que ocupam a cena da Natividade sáúo os misteriosos Magos. Eles eram em quantos? De onde vinham? Como se chamavam? O evangelista Mateus limita-se a mencionar ÔÇ£alguns MagosÔÇØ que ÔÇ£vieram do OrienteÔÇØ e os dons que eles trouxeram (Mt. 2, 1-12), mas náúo nos fornece nenhuma outra informaáºáúo. Mais uma vez, á® um evangelho apá│crifo que se encarrega de passar mais detalhes: o assim chamado ÔÇ£Evangelho da Infáóncia ArmenoÔÇØ fixa o ná║mero dos magos em trá¬s, os define como reis ÔÇô daá¡, o costume de chamáí-los de Reis Magos ÔÇô e relata atá® seus nomes:

eis que os Magos do Oriente, os quais haviam saá¡do da sua terra para marchar junto com muitas pessoas, chegaram áá cidade de Jerusalá®m [para conferir com Herodes], apá│s nove meses. Esses Reis dos Magos eram trá¬s irmáúos: o primeiro era Melchior, reis dos Persas, o segundo Gaspar, Rei dos áìndicos, e o terceiro era Baltazar, rei dos áürabes.

Como assim: trá¬s reis irmáúos? E com poderes máígicos? Seja como for, a tradiáºáúo popular adorou esses personagens e quis ver neles os sá¡mbolos das trá¬s idades do homem ÔÇô juventude, maturidade e velhice ÔÇô e das trá¬s raáºas atá® entáúo conhecidas ÔÇô a branca, a amarela e a negra (o que explica porque Baltazar tradicionalmente á® retratado como negro) ÔÇô que homenageiam a Jesus.

Os Magos foram ganhando um papel cada vez mais importante nas representaáºáÁes da Natividade e ainda hoje as estatuetas deles sáúo tradicionalmente postas no presá®pio no dia da Epifania, em 6 de janeiro, em que os Cristáúos justamente comemoram a chegada dos misteriosos personagens a Belá®m.

A Adoraáºáúo dos Magos, de Andrea Mantegna. Obra conservada no Getty Museum, em Los Angeles.
A Adoraáºáúo dos Magos, de Andrea Mantegna. Obra conservada no Getty Museum, em Los Angeles. Foto: Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

O presá®pio, uma ideia genial de Sáúo Francisco

A histá│ria das reproduáºáÁes do nascimento de Jesus registra um divisor de áíguas na noite de Natal de 1223, quando Sáúo Francisco, que se encontrava no vilarejo de Greccio, a poucos quilá┤metros de Assis, teve a ideia de encenar a Natividade.

Foi assim que o Santo pediu permissáúo ao Papa Honá│rio III, o qual concedeu a possibilidade de fazer uma celebraáºáúo ao ar livre. Sáúo Francisco, com a ajuda de seu amigo Giovanni Velita, senhor de Greccio,  escolheu uma gruta situada nas proximidades do centro habitado e pá┤s nela uma manjedoura cheia de palha, com um boi e um burro ao lado. Os camponeses da cidade correram para a caverna, os frades com tochas iluminaram a paisagem noturna e dentro da gruta foi celebrada a Missa solene de Natal.

Sáúo Franciso ÔÇô que náúo presidiu a celebraáºáúo, pois ele náúo era sacerdote ÔÇô fez a pregaáºáúo e utilizou justamente a encenaáºáúo para descrever ao simples povo de Greccio, a maioria analfabeto, a Natividade.

As hagiografias relatam que, durante a celebraáºáúo, na manjedoura teria milagrosamente aparecido um bebᬠem carne e osso, que Francisco teria acolhido em seu colo.   

A gruta da Natividade - Santuáírio de Greccio.
A gruta da Natividade – Santuáírio Franciscano de Greccio. Foto: Christopher John SSF | Stroud / Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

Um estáíbulo ou uma gruta?

Por que o ÔÇ£Poverello di AssisiÔÇØ (pobrezinho de Assis) escolheu uma gruta? Atá® entáúo, a grande maioria das representaáºáÁes da Natividade no Ocidente cristáúo contextualizavam o nascimento de Jesus em um estáíbulo. Sendo que o evangelho de Lucas menciona a manjedoura ÔÇô da qual deriva o prá│prio termo presá®pio, da palavra latina praesepium o praesaepe, que quer dizer justamente manjedoura ÔÇô deduziu-se que Cristo tivesse nascido em um estáíbulo.

Presá®pio ambientado em estáíbulo.
Presá®pio ambientado em estáíbulo. Foto: ┬®lukbar | Getty Images / Canva.

No ano anterior áá representaáºáúo de Greccio, porá®m, Francisco havia estado na Palestina e tinha conhecido, em Belá®m, o lugar que, em 404, Sáúo Girolamo havia identificado como a gruta onde Jesus teria nascido. Na tradiáºáúo cristáú oriental, de fato, desde o iná¡cio acreditava-se que o nascimento de Cristo tivesse acontecido em uma caverna, principalmente porque á® isso que relatavam alguns evangelhos apá│crifos, entre eles o Proto-Evangelho de Thiago e o jáí citado Evangelho da Infáóncia Armeno.

Sáúo Francisco ficou muito impressionado pelo que ele viu e quando, no ano seguinte, se encontrou em Greccio, achou que a morfologia daquele territá│rio, rico de grutas aos pá®s da montanha, tivesse muitas semelhanáºas com Belá®m. Por isso escolheu justamente uma caverna nos arredores do vilarejo para representar ao vivo o nascimento de Jesus.

Gruta subterráónea em Belá®m.
Gruta subterráónea em Belá®m. Foto: Canva

O presá®pio ganha fama!

O episá│dio de 1223, magistralmente pintado por Giotto no ciclo de afrescos sobre a vida de Sáúo Francisco na Basá¡lica Superior de Assis ÔÇô embora o grande pintor contextualize o evento dentro de uma igreja ÔÇô teve grande ressonáóncia, ao ponto de incentivar a reproduáºáúo da Natividade seja com estáítuas, seja ao vivo.

Presá®pio de Greccio
Presá®pio de Greccio (1295-1299 cerca), afresco de Giotto di Bondone – Basá¡lica Superior de Sáúo Francisco de Assis. Imagem: Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

Se aceitarmos a definiáºáúo de presá®pio como representaáºáúo tridimensional e cá¬nica do nascimento de Jesus, podemos, sim, afirmar que o inventor dele foi Sáúo Franciso.

Entram em cena as estáítuas

A primeira realizaáºáúo documentada de um presá®pio com estáítuas remonta a 1283, quando o cá®lebre artista e arquiteto Arnolfo di Cambio (cerca de 1240 – 1302) esculpiu oito figuras em máírmore representando os personagens da Natividade. Este presá®pio se encontra ainda hoje na Basá¡lica romana de Santa Maria Maggiore. Ele foi encomendado pelo primeiro papa franciscano, Niccolá▓ IV (1288-1292), que era particularmente devoto ao culto da Natividade.

Do conjunto original hoje permanecem Sáúo Josá®, o boi, o burro e os trá¬s magos, estáítuas entre cinquenta e oitenta centá¡metros de altura feitas principalmente em alto relevo e trabalhadas apenas na parte visá¡vel, como era a práítica de Arnolfo. Maria e o Menino Jesus foram reconstruá¡dos do zero no sá®culo XVI.

Presá®pio de Arnolfo di Cambio, Basá¡lica de Santa Maria Maggiore - Roma.
Presá®pio de Arnolfo di Cambio, Basá¡lica de Santa Maria Maggiore – Roma. Foto: Stefano Bolognini / Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

A partir desse momento, os presá®pios passaram a ser compostos por grandes figuras em máírmore, madeira ou terracota, colocadas permanentemente em uma capela e expostas durante todo o ano. Foi assim atá® o final do sá®culo XVI.

E os pintores, ficam atráís?

Contemporaneamente, o tema da Natividade se faz cada vez mais presente na arte pictá│rica e todos os grandes artistas dos sá®culos XIII ao sá®culo XVII ÔÇô como Giotto, Botticelli, Piero della Francesca, Perugino, Correggio, Rembrandt, Poussin e Rubens ÔÇô se encarregam de retratar o evento mais importante da fá® cristáú. Podemos afirmar que todo grande artista se sentia, de certa forma, desafiado a deixar áá posteridade a sua interpretaáºáúo pessoal do nascimento de Jesus.

A Adoraáºáúo dos Pastores, obra-prima do pintor italiano Correggio.
A Adoraáºáúo dos Pastores, obra-prima do pintor italiano Correggio. Foto: Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

A Natividade na vida do povo!

No iná¡cio do sá®culo XVI, áás figuras cláíssicas do presá®pio foram acrescentados outros elementos da vida popular: lojas, tabernas, moinhos, casas e gente comum como vaqueiros, lavadeiras, ferreiros, pescadores, má║sicos, lenhadores, padeiros, sapateiros, etc., retratados nas mais variadas poses e expressáÁes. Isso se deve principalmente áá obra de San Gaetano Thiene (1480 – 1547), que teve a ideia de enriquecer a Natividade com personagens do mundo antigo e contemporáóneo. Desse modo, o santo deu vida ao que continuaria a ser uma das principais caracterá¡sticas do presá®pio atual: sua atemporalidade. Com razáúo, Gaetano Thiene pode ser considerado o inventor do presá®pio moderno.

Detalhe de um presá®pio napolitano.
Detalhe de um presá®pio napolitano. Imagem: ┬®onairda | Getty Images / Canva.

O presá®pio como resposta a Lutero

Outro significativo impulso para a práítica do presá®pio veio do Concá¡lio de Trento, que terminou em 1563: em reaáºáúo áá Reforma Protestante, o Concá¡lio estabeleceu regras precisas sobre o culto dos santos e as relá¡quias e indicou oficialmente o presá®pio como uma importante expressáúo da tradiáºáúo religiosa popular. Todas as comunidades cristáús, portanto, foram convidadas a fazer o presá®pio, visto como instrumento direto e genuá¡no de transmissáúo da fá®. O convite se estendia áás famá¡lias mais abastadas.

Náípoles, a capital do presá®pio!

O verdadeiro salto de qualidade na construáºáúo do presá®pio deu-se sobretudo em Gá¬nova e em Náípoles, onde, entre os sá®culos XVII e XVIII, a representaáºáúo da Natividade se tornou uma verdadeira forma de arte.

A partir deste perá¡odo, nessas cidades o presá®pio comeáºa a sair das igrejas para entrar nas casas patrá¡cias e da alta burguesia, como objeto de adoraáºáúo e muitas vezes de decoraáºáúo.

Os artistas napolitanos, em particular, deram vazáúo a toda a sua criatividade, aumentando enormemente a introduáºáúo de personagens da vida cotidiana, representados especialmente no ato de trabalhar.

Atingiram-se ná¡veis expressivos muito originais e adornaram-se as estáítuas, feitas de madeira ou terracota trabalhada a máúo, com tecidos requintados e joias preciosas. As famá¡lias competiam para contratar os artistas mais importantes e mostrar o presá®pio mais requintado, ao qual dedicavam um inteiro cá┤modo de suas residá¬ncias.

O presá®pio genová¬s tambá®m adquiriu grande prestá¡gio, com as estáítuas de madeira, ceráómica ou papel machᬠcolocadas em um cenáírio que reproduzia os becos do caraterá¡stico centro histá│rico da cidade.

Presá®pio napolitano do sá®culo XVIII.
Presá®pio napolitano do sá®culo XVIII. Foto: Maria / Flickr

Vai com tudo!

No sá®culo XVIII assistimos a mais uma novidade: a transformaáºáúo das estáítuas, tanto no tamanho como no material. Das dimensáÁes bastante grandes comuns a todo o sá®culo XVII, passa-se ao uso generalizado das assim chamadas “terzine”, ou seja, figuras com cerca de quarenta centá¡metros de altura. As estatuetas passaram a ser dotadas de membros feitos com arame cobertos com estopa, o que permitia qualquer tipo de pose dos personagens.

Apesar dos ventos de secularismo do Iluminismo, este foi o sá®culo de ouro para a arte do presá®pio napolitano, graáºas tambá®m a Carlos III de Bourbon, monarca mecenas que trouxe a cidade do Vesá║vio de volta ao ná¡vel das maiores capitais europeias. O rei de Náípoles pretendia fazer do presá®pio um instrumento de propaganda religiosa e recebeu o consentimento incondicional da populaáºáúo. Ele prá│prio mandou fazer  um imenso presá®pio que ocupava alguns saláÁes do paláício real, com centenas de personagens e grande atenáºáúo aos detalhes.

Presá®pio napolitano - Museu de Arte Sacra de Sáúo Paulo.
Presá®pio napolitano – Museu de Arte Sacra de Sáúo Paulo. Foto: Sailko / Commons Wikimedia (domá¡nio pá║blico).

O presá®pio ganha animaáºáúo

Ainda no sá®culo XVIII, comeáºa a se difundir consideravelmente o presá®pio animado mecanicamente, com as estáítuas que se movimentam para executar seus trabalhos ou homenagear o Menino Jesus. Náúo se trata, todavia, de uma novidade absoluta, pois o primeiro presá®pio mecáónico da histá│ria havia sido realizado pelo alemáúo Hans Schlottheim, joalheiro e relojoeiro da Baviera, que em 1588 havia construá¡do uma Natividade em que os pastores e os Magos desfilavam atá® chegar em frente ao Menino Jesus e o reverenciavam ao som de má║sicas natalinas, enquanto trá¬s anjos desciam acima de uma nuvem e o Pai Eterno aparecia improvisamente em uma esfera suspensa. Este presá®pio, construá¡do para o Prá¡ncipe Cristiano da Saxá┤nia, tornou-se táúo popular que um exemplar semelhante foi enviado como presente ao imperador da China.

O presá®pio entra de fato nas casas dos Italianos

O presenáºa do presá®pio em todos os lares teve sua consagraáºáúo definitiva no sá®culo XIX, com a introduáºáúo de estatuetas menores, com cerca de 15-20 centá¡metros de altura e, em alguns casos, as roupas dos personagens eram realizadas com o mesmo material com o qual era construá¡da a estáítua: todas as famá¡lias por ocasiáúo do Natal comeáºaram a montar um presá®pio em suas casas com estatuetas em gesso ou terracota, depois em pláístico e outros materiais como cera, coral, papel machᬠe assim por diante, fornecidos tanto por artesáúos especializados como pela produáºáúo industrial.

Esse háíbito continua ainda hoje e o presá®pio de fato ocupa um lugar fundamental nas tradiáºáÁes natalinas dos Italianos. Crianáºas e adultos aguardam ansiosamente o dia 8 de dezembro ÔÇô festa da Imaculada Conceiáºáúo ÔÇô para montar a representaáºáúo da Natividade em sua prá│pria casa. O momento mais solene á® quando, na vá®spera do Natal, espera-se a meia noite para colocar o menino Jesus na manjedoura. Os Magos, segundo a tradiáºáúo, entram em cena somente no dia 6 de janeiro, a festa da Epifania.

Como assim…. disputas sobre o presá®pio?

Nos dias atuais á® ainda muito forte a cultura da exibiáºáúo do presá®pio em cada igreja. Em alguns casos, trata-se de verdadeiras criaáºáÁes artá¡sticas, obras-primas que requerem meses de trabalhos: estáítuas em movimento, alternáóncia dia-noite, simulaáºáúo de chuva e neve e outros emocionantes e surpreendentes efeitos cá®nicos! Na regiáúo Marche, por exemplo, cinco paroquias da zona chamada de Val Metauro ÔÇô Fano, Serrungarina, Montefelcino,  Mondolfo e Montemaggiore ÔÇô competem entre si apresentando seus prá│prios presá®pios com peáºas em movimento, que ficam expostos atá® a Páíscoa. Trata-se um evento que atrai milhares de visitantes e gera polá¬micas infinitas sobre qual seria o presá®pio mais bonito.

Presá®pio de Fano. Foto: Canva

O presá®pio do Papa

Desde 1982, por decisáúo do Papa Joáúo Paulo II, um grande presá®pio á® montado todos os anos na Praáºa de Sáúo Pedro. A tradiáºáúo romana prevᬠtambá®m que as famá¡lias levem áá igreja a estatueta do Menino Jesus para receber a benáºáúo do padre antes de ocupar, na noite de Natal, o seu lugar na manjedoura.

Via San Gregorio Armeno em Náípoles

O protagonista absoluto obviamente continua sendo o presá®pio napolitano. No coraáºáúo da cidade existe uma rua, dedicada a San Gregorio Armeno, totalmente ocupada por lojas de artesanato que durante o ano todo vendem estatuetas e cenáírios para o presá®pio. Numa extraordináíria mistura de sagrado e profano, os napolitanos inserem em seus presá®pios figuras da tradiáºáúo popular ÔÇô como a máíscara de Pulcinella e os atores Totá▓ e Peppino de Filippo ÔÇô e personagens contemporáóneos como polá¡ticos, showman e esportistas, entre os quais ganha por destaque Maradona, ainda muito amado por ali.

Foto: Canva

Os presá®pios vivos

áë tambá®m muito viva a práítica dos presá®pios vivos, que sáúo encenados em váírias cidades da Itáília! Entre os mais conhecidos, podemos citar o de Pietrelcina, na regiáúo de Puglia, do qual participam mais de 300 habitantes; o presá®pio de Costumaci, na Sicá¡lia, composto por 160 pessoas e ambientado na sugestiva gruta de Mangiapane; o presá®pio de Matera, local perfeito para representar a Belá®m de 2.000 anos atráís, que á® animado por artesáúos, má║sicos e pastores num percurso de cerca de cinco quilá┤metros; e o presá®pio de Genga, na regiáúo Marche, que se destaca por ser o maior do mundo: em um contexto natural extremamente sugestivo, 300 personagens ÔÇô pastores, pescadores, camponeses, carpinteiros, padeiros, sapateiros, escultores e bordadoras ÔÇô atuam em uma áírea de 30.000 metros quadrados com uma trilha que subindo a montanha conduz atá® a fascinante caverna natural dentro da qual se encontra a Natividade.

De volta áás origens

Um capá¡tulo áá parte merece o presá®pio vivo em Greccio, onde tudo comeáºou!

A partir de 1972, todos os anos ocorre uma reconstruáºáúo histá│rica do presá®pio criado por Sáúo Francisco. Os diáílogos entre os personagens sáúo extrapolados dos textos do primeiro biá│grafo do Santo de Assis, Tommaso da Celano, e a representaáºáúo se divide em 6 quadros: a cena se abre em 1246, com alguns frades que contam a vida de Sáúo Francisco em Greccio; se muda para 1223, primeiro em Roma com o Papa Honá│rio III e depois em Greccio; e termina com o milagre do aparecimento do menino Jesus na manjedoura.

Cada detalhe á® cuidado meticulosamente, desde os trajes da á®poca, emprestados do Teatro dellÔÇÖOpera de Roma, atá® a evocativa cenografia, que se torna ainda mais máígica pela beleza do lugar. A encenaáºáúo do primeiro presá®pio da histá│ria á® certamente um espetáículo extraordináírio, á║nico e emocionante!


Por Giacomo Cenci
Foto de capa: Angelafoto de Getty Images Signature / Canva